Princípios fundamentais do direito de família

Princípios fundamentais do direito de família

A importância dos princípios

Normalmente, o Direito é produção legislativa posterior aos fatos, pois o legislador não consegue prever todas as situações da vida. São as alterações e mudanças na sociedade que impulsionam os profissionais do direito a procurar e vislumbrar soluções para situações concretas que ainda não foram regulamentadas na lei.

Diante de tantas mudanças na sociedade, não é permitido aos profissionais do direito, principalmente aos magistrados, deixar de apresentar uma solução a um caso concreto. A falta de legislação não é motivo para que não ocorra um julgamento, sendo que as nossas próprias leis assim já estabelecem (art. 140 do CPC: O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico).

Assim, vivemos um momento que as decisões são de extrema importância, pois decidem fatos imediatos e do momento, cuja solução ainda não está nas leis. As decisões proferidas pelos Tribunais têm dado criação e fundamentos a novas e posteriores leis e regras para regulamentar uma situação para a qual antes não havia previsão legal.

Principalmente no ambiente familiar, os julgadores precisam apresentar soluções para problemas reais e imediatos que não podem aguardar a todo o trâmite de produção legislativa e, assim, acabam por utilizar parâmetros de interpretação ou valores existentes na sociedade e inscritos (ainda que não de forma explícita) na Constituição Federal.

Nessa tentativa de se aproximar da justiça em casos para os quais ainda não existem leis, os profissionais do direito utilizam dos princípios para trazer soluções e direitos em situações específicas.

Assim, os princípios possuem uma função suplementar, ou seja, são utilizados quando não existem leis produzidas. Mas, também, são a base do ordenamento jurídico, de modo que devem influenciar e embasar a produção das normas e regras, a fim de se garantir um sistema coeso e justo.

Os princípios significam o alicerce, os pontos básicos e vitais para a sustentação do Direito. São eles que traçam as regras ou preceitos, para toda espécie de operação jurídica, e têm um sentido mais relevante que o da própria regra jurídica. Não se compreendem aí apenas os fundamentos jurídicos legalmente instituídos, mas todo axioma jurídico derivado da cultura universal. Os princípios constituem, então, os fundamentos da ciência jurídica e as noções em que se estrutura o próprio Direito.¹

Cada princípio pode ser explicado e aplicado de forma única e individualizada, mas não significa que ele é autônomo e distinto dos demais. Pelo contrário, é comum vermos a aplicação e a incidência de vários princípios nas situações, de modo que eles se complementam e formam um ordenamento jurídico coeso e mais justo.

Partindo dessa compreensão de relevância e importância dos princípios para solução de casos concretos e para produção de leis de forma imparciais e que alcancem os objetivos e fundamentos estabelecidos na Constituição Federal, temos 10 princípios fundamentais norteadores do Direito de Família, estabelecidos pelo Doutrinador RODRIGO DA CUNHA PEREIRA, o qual ensina sobre temas relacionados ao direito de família e é um advogado atuante na área.

Princípios fundamentais norteadores do Direito de Família

  1. Princípio da dignidade Humana
    O princípio da dignidade Humana é o princípio que dita a condição superior do homem sobre todas as coisas; é o que estabelece que o homem é um ser de razão e sentimento, que merece ser tratado com dignidade e respeito, independentemente de merecimento pessoal ou social.A pessoa não precisa fazer nada para ser tratada com dignidade, mas o deve ser, pois tal princípio é inerente à vida.“Significa para o Direito de Família a consideração e o respeito à autonomia dos sujeitos e à sua liberdade”², e, por isso, deve nortear os profissionais do direito e os cidadãos a se despir de preconceitos, inculcando na sociedade que é indigno dar tratamento diferenciado às pessoas em virtude de gênero, da forma de filiação, de constituição de sua família, ou qualquer outro fator distintivo.


  2. Princípio da igualdade e o respeito às diferenças
    Todos são iguais perante a lei, mas não somos todos iguais. O ser humano não é um robô ou clone, mas um ser distinto, com várias peculiaridades, gostos e diferenças, e é justamente diante de tanta cultura e distinção que construímos a cidadania.Diante disso, a igualdade proferida e almejada no sistema jurídico não pode desconsiderar as diferenças; dizer que todos são iguais, não significa que as diferenças serão descartadas, mas apenas que serão identificadas e consideradas as saudáveis e naturais diferenças, sem fator discriminatório ou distintivo sem fundamento.

    Homens e mulheres são iguais, possuindo os mesmos direitos e deveres; os filhos são iguais e possuem mesmos direitos e deveres, ainda que decorrentes de relações extraconjugais. No entanto, homens, mulheres ou filhos que estejam em situações distintas e peculiares merecem um tratamento digno, igualitário, mas respeitando a sua desigualdade, a sua diferença.

    O princípio da igualdade e o respeito às diferenças impõe que todos sejam vistos e tratados com igualdade, sem qualquer fator de discriminação, como também é preciso dar tratamento isonômico às pessoas, tratamento igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.


  3. Princípio do melhor interesse da criança e adolescente
    As crianças e os adolescentes são sujeitos em desenvolvimento que merecem proteção integral e especial, com absoluta prioridade, de modo que além dos direitos já consagrados aos adultos, também possuem direitos e instrumentos próprios para melhor garantir seu amadurecimento.A fim de se entender e se aplicar o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente é preciso distinguir que a relação conjugal (que envolve o casal) e que pode terminar em virtude da falta de amor e afeto entre os cônjuges ou companheiros, não pode interferir na relação parental (existente entre pai/mãe e filho(a)), a qual nunca se finda.

    Assim, independente de os genitores estarem juntos ou não, a tomada de decisões dos pais em relações aos filhos deve ser sempre com o objetivo de alcançar o melhor interesse para a criança e o adolescente.


  4. Princípio da autonomia e da menor intervenção estatal
    No âmbito familiar, a atuação do Estado deve ser mínima, pois o que prevalece é o exercício da autonomia privada, já que no âmbito privado o direito à intimidade e liberdade dos sujeitos resulta também na personificação do indivíduo.É preciso, no entanto, que o Estado exerça um poder de tutela, o que não significa possibilitar ao Estado fiscalizar ou controlar as relações familiares, mas sim, a atuar de forma instrumental, apresentando meios a garantir a realização pessoal de seus indivíduos.

    O Estado não pode interferir sobre a sexualidade dos indivíduos, na forma de constituição da família, no número de indivíduos, quais desejos, entre tantos outros assuntos que pertencem à intimidade e a vida privada das pessoas. Não pode agir no sentido de restringir a autonomia privada, limitar as vontades e as liberdade dos indivíduos, se tais desejos e atuações não se tratar de situações excepcionais que violem os direitos e garantias de outrem.


  5. Princípio da pluralidade de formas de família
    A Constituição Federal de 1988 expressamente menciona a existência das famílias formadas pelo casamento, pela união estável ou formada pelos descendentes com somente um dos genitores. No entanto, existem inúmeras outras entidades familiares além destas previstas, e que, da mesma forma precisam ser protegidas pelo Estado.Os indivíduos por voluntariedade e, em virtude do afeto, optam por conviver e estabelecer uma entidade familiar, e, assim, a família constituída, que promova a dignidade e a relação pessoa dos indivíduos merece tutela jurídica e especial proteção do Estado, independentemente de se tratar de uma família unipessoal, apenas parental ou conjugal, ou ambas.

    O Princípio da pluralidade de formas de família é o que busca legitimar e incluir no laço social todas as formas de família, sendo esta considerada como a entidade que garante um ambiente agradável, adequado, de paz e propício ao pleno e completo desenvolvimento dos sujeitos, promovendo assim a dignidade humana dos indivíduos.


  6. Princípio da monogamia
    Defender a monogamia ou a poligamia muito mais do que pautar-se em fundamentos morais ou imorais, deve significar a defesa de um regime adotado por determinado ordenamento jurídico.Se determinado País adota por sistema organizador das formas de constituição de família o sistema monogâmico, significa dizer que aquele país reconhece como legítima apenas a existência da união de uma pessoa com outra em um espaço de tempo. Em contrapartida, o sistema poligâmico defende a possibilidade de união de uma pessoa com vários cônjuges ao mesmo tempo.

    Em ambos os sistemas (monogâmico ou poligâmico) se impõe a fidelidade entre os envolvidos, isto é, enquanto no monogâmico se impõe a fidelidade entre o casal, no sistema poligâmico se impõe a fidelidade aos vários cônjuges/companheiros.


  7. Princípio da afetividade
    O princípio da afetividade trouxe modificações no âmbito do relacionamento entre cônjuges e companheiros, e também originou a teoria da parentalidade socioafetiva.“Sem afeto, não se pode dizer que há família. Ou, se falta o afeto, a família é uma desordem ou uma desestrutura”³. A família só faz sentido se estiver alicerçada no afeto. No entanto, o afeto, por si só, não é o único elemento para se verificar a existência de uma entidade familiar.

    Existem outros elementos que devem coexistir juntamente com o afeto, ainda que a presença deste seja fator decisivo e justificador para a constituição da família.Juntamente com o afeto, deve estar presente a solidariedade, a responsabilidade, a cumplicidade, a vivência e a convivência, ainda podemos verificar a existência da sexualidade (ao se falar de cônjuges e companheiros) e do serviço (ao se falar na existência de filhos, pois o exercício de funções paternas/maternas se exteriorizam com atos de cuidado, sustento, educação, imposição de limites, etc.).


  8. Princípio da solidariedade
    O princípio da solidariedade, no âmbito jurídico, traduz na existência de um vínculo de sentimento racional e guiado que compele à oferta de ajuda; é o dever de cuidado ao outro.É com base no princípio da solidariedade, e da dignidade humana, que é possível impor o dever de os pais contribuírem para o sustento dos seus filhos, bem como dos filhos contribuírem para o sustento dos seus pais, ou mesmo, que um cônjuge pague alimentos ao outro, mesmo após o término do relacionamento conjugal, pois permanece a todos os cidadãos e indivíduos o dever de ser solidário.

    Ainda com base no princípio da solidariedade, entre os cônjuges e companheiros, é possível a fixação de alimentos compensatórios, isto é, quando um cônjuge paga valor em favor do outro, a fim de permitir que ambos possam ter o mesmo padrão de vida após o fim do relacionamento, ou indenizar pelo uso e posse exclusiva por um dos cônjuges/companheiros de bens que eram comum do casal, após o término da relação.


  9. Princípio da responsabilidade
    O princípio da responsabilidade nas relações familiares possui efeitos no ambiente interno e particular, bem como no ambiente externo e coletivo.No âmbito interno e particular, o princípio da responsabilidade traduz o dever e a responsabilidade de os cônjuges e companheiros zelarem, cuidarem, protegerem e amarem um ao outro, sob risco de o relacionamento conjugal terminar.

    Ainda, existe o dever e a responsabilidade de os genitores promoverem a criação, educação, sustento material e afetivo de seus filhos, sob pena de serem responsabilizados civilmente, com obrigação de pagar indenização em prol do filho prejudicado, se ficar evidenciada a existência do abandono afetivo.

    No âmbito externo e coletivo, o princípio da responsabilidade impõe sobre os responsáveis legais das crianças e dos adolescentes o dever de indenizar os prejuízos causados pelos menores no âmbito civil, posto que deveriam ter exercido com eficiência o dever de cuidado e criação.


  10. Princípio da paternidade responsável
    A relação conjugal (envolvendo o casal – cônjuges e companheiros-,) pode vir a terminar, enquanto a relação parental (envolvendo pais e filhos) nunca se encerra. Assim, ao término de uma relação conjugal, pai e mãe não podem se divorciar/separar-se dos seus filhos.Os pais devem ter um senso de responsabilidade, dever de cuidado, de dispensarem todo o amor, carinho e meios necessários para o completo desenvolvimento de seus filhos, sob risco de prejudicar à sua prole, tanto de forma substancial, quanto emocional ou mesmo psicológica.

    O princípio da paternidade responsável não se resume apenas à assistência material, mas também ao necessário fornecimento de amor e cuidado. Pagar alimentos, contribuir para o sustento dos filhos é apenas uma das parcelas da paternidade, já que o é preciso ser pai/mãe na amplitude legal (sustento, guarda e educação).

    Ocorrendo a quebra dessa relação e o abandono dos filhos pelos pais, estes devem ser responsabilizados pelo não exercício do dever de criar, colocar limites, enfim dar afeto, não apenas no sentido de sentimento, mas principalmente de uma conduta e uma ação de cuidado, proteção e educação.


Notas de Rodapé
¹PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 44
²Ibidem, p. 121;
³Ibidem, p. 218;

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <Link>. Acesso em 19 Jul. 2020.

BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <Link>. Acesso em 19 Jul. 2020.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016.