Princípio da igualdade e o respeito às diferenças como um dos princípios fundamentais norteadores do direito de família¹
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu como um de seus objetivos a “redução das desigualdades sociais e regionais” (art. 3º, III), bem como, firmou como cláusula pétrea, ou seja, cláusula que não pode ser abolida ou modificada, o direito à igualdade.
Ainda, a Constituição Federal expressamente veda a existência de desigualdade no seio familiar, detalhando que homens e mulheres são iguais perante a lei, bem como que não pode haver distinção entre filhos.
Os artigos 5º, I e 227, §6º da Constituição Federal dispõem a respeito, veja-se:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
[…]Art. 227
[…]
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
É importante, no entanto, ressaltar que a igualdade proferida no sistema jurídico brasileiro não desconsidera ou afasta as diferenças. Ao dizer que todos são iguais, não significa que as diferenças serão descartadas, até porque, não as podem ser por completo, pois a construção e a beleza da verdadeira cidadania só são possíveis na diversidade.
Paulo Luiz Netto Lôbo organiza o princípio da igualdade em duas dimensões: a igualdade de todos perante a lei, ou seja, uma igualdade jurídica ou formal, onde não existem privilégios em razão da origem, sangue ou status social; e, a igualdade de todos na lei, vedando a desigualdade ou discriminação quanto a aplicação da própria lei.²
Ainda melhor explicando sobre essas diferenças de igualdade, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL esclarece que:
[…] A igualdade na lei – que opera numa fase de generalidade puramente abstrata – constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. […] (MI 58, Relator(a): CARLOS VELLOSO, Relator(a) p/ Acórdão: CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 14/12/1990, DJ 19-04-1991 PP-04580 EMENT VOL-01616-01 PP-00026 RTJ VOL-00140-03 PP-00747)
É equivocado, portanto, afirmar que o princípio da igualdade desconsidera as diferenças. O desafio do direito passa a ser como identificar e considerar as saudáveis e naturais diferenças entre os indivíduos.
[…] A concreção do princípio da igualdade reclama a prévia determinação de quais sejam os iguais e quais os desiguais. O direito deve distinguir pessoas e situações distintas entre si, a fim de conferir tratamentos normativos diversos a pessoas e a situações que não sejam iguais. 4. Os atos normativos podem, sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações a fim de conferir a uma tratamento diverso do que atribui a outra. É necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio. […] (ADI 3305, Relator(a): EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 13/09/2006, DJ 24-11-2006 PP-00060 EMENT VOL-02257-03 PP-00555 LEXSTF v. 29, n. 338, 2007, p. 98-110)
No direito de Família, um exemplo do que seria a igualdade formal é o fato de que ambos os genitores são detentores do poder familiar (art. 1.634 do Código Civil), de modo que ambos, independente da sua situação conjugal, possuem direitos e deveres, tais quais promover a criação e educação dos filhos, exercer a guarda, conceder ou negar autorizações para certos atos da vida civil, entre outros encargos.
Da mesma forma, os filhos havidos fora do casamento possuem os mesmos direitos daqueles descendentes que nasceram da relação conjugal. Isso decorre da aplicação do princípio da igualdade.
Quando um dos filhos detém necessidades especiais, sendo pessoa com deficiência, muitas vezes o tratamento, a forma de cuidado e até mesmo o valor dos alimentos deverá ser de acordo com a sua necessidade, o que pode “aparentemente” evidenciar uma desigualdade.
No entanto, essa distinção, esse tratamento diferenciado também decorre da aplicação do princípio da igualdade, mas sob o viés da igualdade material, que estipula que é preciso dar tratamento isonômico às pessoas, tratando igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.
Homens e mulheres são iguais, possuindo os mesmos direitos e deveres; os filhos são iguais e possuem mesmos direitos e deveres, ainda que decorrentes de relações extraconjugais. No entanto, homens, mulheres ou filhos que estejam em situações distintas e peculiares merecem um tratamento digno, igualitário, mas respeitando a sua desigualdade, a sua diferença.
Logo, o princípio da igualdade e o respeito à diferença pressupõe tanto a igualdade formal, ou seja, de que todos são iguais perante a lei, bem como a igualdade material, que é garantir que as pessoas em situações diferentes sejam tratadas de forma desigual.
Notas de Rodapé
¹PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 166-181;
²Ibidem, p. 172
Referências:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <Link>. Acesso em 19 Jul. 2020.
BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <Link>. Acesso em 19 Jul. 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade. ADI 3305-DF, Requerente: Partido Liberal – PL, Requerido: Presidente da República e Congresso Nacional, Rel. Min. Eros Grau. Diário da Justiça, 24/11/2006. Disponível em <Link>. Acesso em 19 jul. 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção. MI 58/DF, Impetrante: Airton de Oliveira e outros; Impetrado: Presidente da República, Rel. Min. Carlos Velloso. Diário da Justiça, 19/04/1991. Disponível em <Link>. Acesso em 19 jul. 2020.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 166-181.