Princípio da pluralidade de formas de família como um dos princípios fundamentais norteadores do Direito de Família¹
A Constituição Federal de 1988 no artigo 226, §§3º e 4º apresentou exemplos de forma de constituição de família. Ou seja, trouxe que a família pode ser formada pelo casamento, pela união estável ou pelos pais e seus descendentes (chamada família monoparental).
Ocorre, no entanto, que existem inúmeras outras entidades familiares existentes além das previstas, de modo que as famílias formadas pelo casamento, pela união estável ou pelos descendentes com somente um dos genitores, são apenas exemplos de formação.
A Constituição Federal de 1988 possui fundamentos e princípios que a impedem de ser exclusivista ou promover a segregação ou discriminação das pessoas. O art. 1º estabelece como um dos fundamentos do Estado, a cidadania e a dignidade da pessoa humana, enquanto o art. 3º dispõe como objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação.
Assim, ao discorrer sobre formas de família, meios de como uma família pode surgir, o legislador não teve a pretensão de excluir as demais famílias que surgem, que são constituídas e formadas de forma distinta.
A família não é um fato natural, mas cultural; as pessoas se ligam em virtude de uma vontade, um desejo de dividir a vida, de cada membro integrante ocupar um papel, um lugar, exercer uma função dentro daquele ambiente, tendo os indivíduos vínculo biológico ou apenas afetivo.
Quando se tem a presença de crianças e adolescentes no seio familiar, muito mais, se importa na existência de pessoas que cumpram na vida uma das outras o papel materno e paterno, ainda que não exista vínculo biológico.
Antigamente, a família era constituída somente pelo instituto do casamento, apresentava um regime patriarcal e hierarquizado, isto é, somente o homem, o ser masculino detinha poder e decisão, inclusive sobre os membros da casa, e a ele, todos os membros deviam respeito e, por vezes, sua própria vida.
Com o passar do tempo, e com base no princípio da pluralidade de formas de família, associado a outros, tem-se que a apresentação das famílias e as suas formas de constituição são bastantes distintas daquela que vigorava.
A família é a base da sociedade e merece proteção do Estado (art. 226, caput, da CF/88); é o centro de formação dos indivíduos, principalmente das crianças e adolescentes, de modo que precisa valorizar os sujeitos e promover a dignidade de todos os membros. É por isso que a família deve ser protegida pelo Estado, pouco importando a forma com que fora constituída.
Conjugando o princípio da pluralidade de formas de família com o da dignidade humana é que se deve legitimar e incluir no laço social todas as formas de família.
O conceito e o princípio de pluralidade familiar já são tão vívidos em nosso sistema jurídico, que os TRIBUNAIS SUPERIORES de nosso País já reconheceram que vivemos uma era do poliformismo familiar:
3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado “família”, recebendo todos eles a “especial proteção do Estado”. (REsp 1183378/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/10/2011, DJe 01/02/2012)
O Professor RODRIGO DA CUNHA PEREIRA, autor da obra Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família², ao dispor sobre o referido princípio esclarece que existem três grandes grupos de famílias , as quais podem ser subdividas.
Temos 1) a família conjugal que é aquela estabelecida a partir de uma relação amorosa, onde estão presentes o afeto, o desejo, o amor sexual e a sexualidade (que não necessariamente está vinculada na genitalidade; 2) a família parental, que pode ou não estar contida na família conjugal, e se destaca como sendo a entidade familiar que se forma pelo agrupamento de pessoas, que podem estar unidas pelo laço de parentesco biológico ou afetivo; e, ainda, 3) a família unipessoal ou single que são aqueles solteiros por convicção, viúvos ou separados/divorciados sem filhos, ou que os filhos já tenham constituídos nova família, celibatários, etc, possuindo por principal característica estarem desvinculados maritalmente ou dos filhos, vivendo sozinhos e deslocados fisicamente dos demais entes ligados pela consanguinidade ou afetividade.
Os indivíduos por voluntariedade e, em virtude do afeto, optam por conviver e estabelecer uma entidade familiar, e, assim, a família constituída que promova a dignidade e a personalidade dos indivíduos, merece tutela jurídica e especial proteção do Estado, independentemente de se tratar de uma família unipessoal, apenas parental ou conjugal, ou ambas.
Assim, independente da sua forma de constituição, família é aquela que garanta um ambiente agradável, adequado, de paz e propício ao pleno e completo desenvolvimento dos sujeitos, promovendo dignidade humana dos indivíduos, e, como tal, deve ser protegida pelo Estado.
Notas de Rodapé
¹PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípio fundamentais norteadores do direito de família. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 197-217;
²Ibidem, p. 204-217;
Referências:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <Link>. Acesso em 19 Jul. 2020.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. REsp 1.183.378-RS, Recorrente: K R O e outro, Recorrido: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Diário da Justiça, 01/02/2012. Disponível em <Link>. Acesso em 20 jul. 2020.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 197-217.