Princípio da monogamia

Princípio da monogamia como um dos princípios fundamentais norteadores do Direito de Família¹

Defender a monogamia ou a poligamia muito mais do que pautar-se em fundamentos morais ou imorais, deve significar a defesa de um regime adotado por um Estado e seu ordenamento jurídico.

Se determinado País adota por sistema organizador das formas de constituição de família o sistema monogâmico, significa dizer que aquele país reconhece como legítima apenas a existência da união de uma pessoa com outra em um espaço de tempo. Em contrapartida, o sistema poligâmico defende a possibilidade de união de uma pessoa com vários cônjuges ao mesmo tempo.

A adoção do sistema monogâmico ou poligâmico por determinado ordenamento jurídico deve ser visto como um interdito proibitório, ou seja, como norma decorrente da necessidade de se barrar excessos para que possa haver civilização.

Normalmente, as proibições impostas pela lei vão de encontro a liberdade de prazer, porque determinado indivíduo sente vontade de fazer algo não aceitável. Assim, a construção cultural e a convivência em sociedade impõem renúncia de certos desejos individuais para se manter a ordem e o equilíbrio, de modo que, mesmo que um brasileiro tenha vontade de se casar diversas vezes, no mesmo período, nosso ordenamento jurídico não faculta essa opção.

O Prof. Rodrigo da Cunha Pereira defende que o ordenamento jurídico brasileiro adotou o sistema monogâmico, posto que legalmente, é legítima a existência de uma única relação amorosa (casamento ou união estável) de uma pessoa com outra por determinado período.

A proibição de relações extraconjugais é uma das formas e instrumentos a garantir a prevalência do sistema (seja monogâmico ou poligâmico), mas não importa na violação ao princípio. O rompimento do princípio da monogamia não é, pura e estritamente, a existência de relações extraconjugais, mas o estabelecimento de famílias simultâneas a já existente.

Assim, em ambos os sistemas (monogâmico ou poligâmico) se impõe a fidelidade entre os envolvidos, isto é, enquanto no monogâmico se impõe a fidelidade entre o casal (artigo 1.566, I do Código Civil), no sistema poligâmico se impõe a fidelidade aos vários cônjuges/companheiros.

No entanto, a Professora MARIA BERENICE DIAS já considerou que “mesmo sendo indicada na lei como requisito obrigacional a mantença da fidelidade, trata-se de direito cujo adimplemento não pode ser exigido em juízo”². Ou seja, mesmo estando na legislação que os cônjuges e companheiros devem ser fiéis e leais aos seus parceiros, não é possível exigir tal dever por meio de ação judicial.

Em decorrência, os tribunais de nosso país vêm decidindo que a violação ao dever de fidelidade, por si só, não gera direito de o cônjuge ou companheiro traído receber indenização por dano moral daquele que traiu³, tampouco do amante⁴.

O Prof. Rodrigo da Cunha Pereira, ainda, estabelece que existem três tipos de relacionamento extraconjugais: 1) quando há uma relação eventual, passageira; 2) quando a relação é mais duradora, mas sem consequências jurídicas patrimoniais (amante); 3) quando a relação é mais significativa, e o amante constitui com o cônjuge uma família simultânea ao casamento, ou união estável. A essa terceira situação é que presenciamos um caso de concubinato.

Deve-se saber diferenciar, ainda, que a constituição de famílias simultâneas (da qual sua existência fere o princípio da monogamia) não é sinônimo, ou não se caracteriza, diante da constituição de nova família, pela união estável, por cônjuges ainda não divorciados.

O ordenamento não permite e recrimina a existência de famílias simultâneas à uma família ainda existe. O art. 1.727 do Código Civil expressamente declara que o concubinato (conduta reprovável) são “as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar”.

Um indivíduo ainda casado, formalmente, mas já separado de fato, ou seja, já tendo saído de casa e não possuindo mais qualquer relacionamento conjugal com a parceira anterior, pode constituir nova família pela união estável e, essa nova relação será protegida pelo ordenamento jurídico, garantidos todos os direitos e deveres inerentes ao âmbito familiar.

Diferente é a situação em que um indivíduo ainda casado, que se mantém como casado, constitui outra família pela união estável. Nesse caso, não se trata de uma relação eventual do cônjuge e, assim, a relação paralela não pode ser interpretada como um caso específico de infidelidade, mas configura a existência de famílias simultâneas.

No entanto, não se pode desconsiderar que existem famílias simultâneas e que, consequentemente, a sua existência acaba ferindo ao princípio da monogamia. “O paradoxo do concubinato deve ser resolvido, então, em cada julgamento, e cada julgador aplicando outros princípios e a subjetividade que cada caso pode conter é quem deverá aplicar a justiça”⁵.

Na análise de cada caso concreto, os profissionais de direito devem aplicar a maior quantidade dos princípios norteadores do direito de família, ou seja, reconhecer direitos e garantias aos indivíduos da família simultânea, ainda que isso arranhe o princípio da monogamia. “Se o fato de ferir esse princípio significa fazer injustiça, devemos recorrer a um valor maior, que é o da prevalência da ética sobre a moral, para que possamos aproximar do ideal de justiça”⁶.

O que deve ser analisado e considerado em cada caso é a ética e a prevalência da consideração das pessoas, dos sujeitos daquela relação e dos direitos que possuem, em detrimento da quebra do dever de fidelidade. Como decorrência do princípio da dignidade humana, não é possível se colocar os institutos acima das pessoas.


Notas de Rodapé
¹PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 127-148;
²O dever de fidelidade. Revista AJURIS, n.85, t.I, p.477-479, mar.2002.
³Tribunal de Justiça de Santa Catarina. TJSC, Apelação Cível n. 0301609-24.2018.8.24.0113, de Camboriú, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 12-03-2019;
Tribunal de Justiça de São Paulo. TJSP, AC 1050930-06.2017.8.26.0100, Relator: Rui Cacaldi, Data de julgamento: 24/09/2019, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de publicação: 24/09/2019;
Superior Tribunal de Justiça. REsp 1122547/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/11/2009, DJe 27/11/2009;
⁵PEREIRA, op.cit., p. 144-145;
⁶Ibidem, p. 144;

Referências:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <Link>. Acesso em 19 Jul. 2020.

BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <Link>. Acesso em 19 Jul. 2020.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. REsp 1.122.547-MG, Recorrente: G V C, Recorrido: V J D, Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Diário da Justiça, 27/11/2009. Disponível em <Link>. Acesso em 20 jul. 2020.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Ação de indenização por danos morais. APELAÇÃO CÍVEL 0301609-24.2018.8.24.0113, Requerente: Luana Micknowski, Requeridos: Fernando Felipe e Midianara Vogel, Rel. Marcus Tulio Sartorato. Diário da Justiça, 13/03/2019. Disponível em <Link>. Acesso em 20 jul. 2020.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ação de divórcio cumulada com indenização de danos materiais e morais. APELAÇÃO CÍVEL 1050930-06.2017.8.26.0100, Requerente: O. M. H. M., Requerido: J. L. A. M., Rel. Rui Cascaldi. Diário da Justiça, 24/09/2019. Disponível em <Link>. Acesso em 20 jul. 2020.

O dever de fidelidade. Revista AJURIS, n.85, t.I, p.477-479, mar.2002.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 127-148;