Princípio da afetividade

Princípio da afetividade como um dos princípios fundamentais norteadores do Direito de Família¹

O princípio da afetividade é um princípio constitucional implícito, ou seja, não está disposto de forma expressa na Constituição Federal de 1988, mas que decorre, principalmente, do macroprincípio da dignidade humana, o qual também é pré-existente a nossa legislação.

Foi com base nesses dois princípios que, antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988, em 1977, nosso ordenamento jurídico passou a possibilitar o divórcio, ainda que de forma ainda limitada.

Vigorava em nosso país que o casamento era uma instituição sagrada e que não poderia ser desfeita, de modo que quando os casais não mais quisessem continuar com o relacionamento poderiam se separar (se desquitar), mas não poderiam casar novamente, pois o instituto do DESQUITE não encerrava o matrimônio anterior.

Com a evolução do pensamento da sociedade, passou-se a entender que não era mais possível obrigar as pessoas a permanecerem vinculadas quando não mais existisse o amor. Evoluindo também os ensinos jurídicos, o afeto tornou-se um valor e, logo após, ganhou o status de princípio, de modo que, atualmente, “sem afeto, não se pode dizer que há família. Ou, se falta o afeto, a família é uma desordem ou uma desestrutura”².

Em virtude do princípio da afetividade, a família só faz sentido se estiver alicerçada no afeto. No entanto, o afeto, por si só, não é o único elemento para se verificar a existência de uma entidade familiar; existem outros elementos que devem coexistir juntamente com o afeto, ainda que sua presença seja fator decisivo e justificador para a constituição da família.

Juntamente com o afeto, deve estar presente a solidariedade, a responsabilidade, a cumplicidade, a vivência e a convivência. Ainda, ao se falar em uma família conjugal, tem-se presente a sexualidade do casal, enquanto que se houver filhos (família parental), tem-se a associação de todos esses elementos com o serviço, vez que o exercício de funções paternas/maternas se exteriorizam com atos de cuidado, sustento, educação, imposição de limites, etc.

Da mesma forma que o princípio da afetividade trouxe modificações no âmbito do relacionamento entre cônjuges e companheiros, também é com base nos fundamentos deste princípio que se originou a teoria da parentalidade socioafetiva.

A teoria da parentalidade socioafetiva autoriza que terceiros, não fornecedores de material genético para crianças e adolescentes, em virtude do afeto e da convivência, possam ser reconhecidos como responsáveis legais (pais e mães) daqueles a quem dedicam tanto amor e carinho.

A vinculação biológica não é garantia da experiência da paternidade ou da maternidade. Ser pai e/ou mãe não é apenas natural e instintivo, mas trata-se de uma função, um serviço a ser exercido em prol dos filhos e, o fato de alguém ser pai/mãe biológico de outro ser não garante que tal função será exercida de forma condizente e apropriada ao desenvolvimento dos menores.
Por vezes, o vínculo entre as crianças e adolescentes com seus respectivos padrastos e madrastas é tão forte, e a convivência realmente é de que como se pais e filhos fossem, que, ainda que não possuam vínculos biológicos, não é possível se desconsiderar que tais formações não sejam família, ou mesmo que tal relação não possa ser identificada como parental.

Quando existe entre pessoas não vinculadas biologicamente a posse de estado, ou seja, quando um terceiro dá a outro o seu nome (ainda que informalmente), bem como o trato como se filho fosse (relação de afeto, cuidado, educação; características da relação interna) e, ainda, a fama (visualização externa da relação de filiação; se mostram perante a sociedade), é possível o reconhecimento formal desse afeto no assento de nascimento do interessado.

A afetividade, no entanto, não está isenta de responsabilidade. A afetividade pode gerar o reconhecimento de alguém como filho, e este passa a ter todos os direitos e garantias de ser filho, mas também gera a responsabilidade de a função de paternidade e maternidade ser exercida de forma efetiva e primando pelo melhor interesse dos menores.
A depender do caso, os tribunais de nosso país vêm responsabilizando os genitores a pagar valor pecuniário em prol dos filhos, quando o não cumprimento das funções paternas e maternas acarretam prejuízos morais, ou mesmo psicológicos.

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, em um caso específico, confirmando os parâmetros utilizados pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, entendeu que “o descumprimento do dever de cuidado somente ocorre se houver um descaso, uma rejeição ou um desprezo total pela pessoa da filha por parte do genitor”³.

Nota-se, pois, que o abandono afetivo é muito complexo e não se trata apenas do dever de alimentar, mas se configura quando o genitor priva sua descendência do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, violando os direitos da personalidade dos seus filhos, prejudicando o desenvolvimento humano deles como pessoa, ferindo a dignidade humana.

Não se trata, aqui, de uma imposição jurídica de amar, mas de um imperativo judicial de criação da possibilidade de construção de afeto. […] Em função da expressa negativa desse pai de proporcionar ao filho a possibilidade da construção mútua da afetividade, violando, por essa razão, seus direitos de personalidade, é que foi imputado ao pai o pagamento da indenização por dano moral.⁴

Vê-se, pois, que o princípio da afetividade se vincula com o princípio da paternidade responsável e que ambos, mais uma vez, evidenciam que a família não é um fato natural, genético ou biológico, mas, principalmente, cultural, tendo em vista que o que determina e garante os vínculos e o exercício da paternidade e maternidade é a construção da afetividade.


Notas de Rodapé
¹ PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 112-127;
² Ibidem, p. 121
³ REsp 1557978/DF, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 17/11/2015
⁴ PEREIRA, Op.Cit. p. 228;

Referências:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <Link>. Acesso em 19 Jul. 2020.

BRASIL. Lei n. 6.515, 26 de dezembro de 1977. Regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 dez. 1977. Disponível em: <Link>. Acesso em 20 jul. 2020.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. REsp 1.557.978-DF, Recorrente: R A F D, Recorrido: Á F D, Rel. Min. Moura Ribeiro. Diário da Justiça, 17/11/2015. Disponível em <Link>. Acesso em 20 jul. 2020.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 217-229;