Princípio da paternidade responsável como um dos princípios fundamentais norteadores do Direito de Família¹
O princípio da paternidade responsável é aplicado na relação parental, ou seja, envolvendo o relacionamento entre pais e filhos, de modo que é preciso diferenciar que a relação conjugal (envolvendo o casal – cônjuges e companheiros-,) pode vir a terminar, enquanto a relação parental nunca se encerra.
“Pai e mãe não podem divorciar de seus filhos e devem ser responsabilizados pelo não exercício do dever de criar, colocar limites, enfim dar afeto, não apenas no sentido de sentimento, mas principalmente de uma conduta e uma ação de cuidado, proteção e educação”².
O princípio da paternidade responsável está expresso na Constituição Federal de 1988, no art. 226, §7º, e, é um princípio que se reveste de caráter privado, mas também político e social, posto que o não exercício da paternidade de forma responsável acarreta problemas econômicos e sociais que atingem a toda a sociedade.
[…] O modo de ser cuidado revela de maneira concreta como é o ser humano. Sem cuidado ele deixa de ser humano. Se não receber cuidado desde o nascimento até a morte, o ser humano desestrutura-se, definha, perde sentido e morre. Se, ao largo da vida, não fizer com cuidado tudo o que empreender, acabará por prejudicar a si mesmo por destruir o que estiver à sua volta. […] (apud Pereira, Tânia da Silva. Op. cit. p. 58)³.
Os pais devem ter um senso de responsabilidade, dever de cuidado, de dispensarem todo o amor, carinho e meios necessários para o completo desenvolvimento de seus filhos, sob risco de prejudicar à sua prole, tanto de forma substancial, quanto emocional ou mesmo psicológica.
A estruturação emocional e psíquica dos sujeitos inicia-se na infância, com o desenvolvimento e relacionamento das crianças e adolescentes com seus genitores, de modo que estes devem assumir os bônus e os ônus decorrentes da relação parental, tenham os filhos sido planejados ou não.
O princípio da paternidade responsável, no entanto, não se resume apenas à assistência material, mas também ao necessário fornecimento de amor e cuidado. Pagar alimentos, contribuir para o sustento dos filhos é apenas uma das parcelas da paternidade, já que é preciso ser pai/mãe na amplitude legal (sustento, guarda e educação).
[…] O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. […] existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. […]⁴
Assim, sob o enfoque jurídico, o amor não é apenas um sentimento, mas uma conduta, um dever de cuidado, uma ação que pode ser imposta pelo Judiciário, estando presente ou não o sentimento.
O Poder Judiciário não tenta impor que uma pessoa ame à outra, tenha sentimentos afetivos pela outra. Não é isso. A lei não determina o amor como uma forma de sentimento, mas como uma forma de ação, e, por isso, caso não seja ofertado o amor e cuidado mínimos e necessários entre pais e filhos, é possível se exigir o cumprimento.
Por óbvio que o Poder Judiciário não pode obrigar ninguém a ser pai. No entanto, aquele que optou por ser pai deve desincumbir-se de sua função, sob pena de reparar os danos causados aos filhos. Nunca é demais salientar os inúmeros recursos para evitar a paternidade (vasectomia, preservativos etc). ou seja, aquele que não quer ser pai deve precaver-se. (…) Assim, não estamos diante de amores platônicos, mas sim de amor indispensável ao desenvolvimento da criança. (…) A função paterna abrange amar os filhos. Portanto, não basta ser pai biológico ou prestar alimentos ao filho.⁵
“Embora o direito não trate dos sentimentos, trata dos efeitos decorrentes desses sentimentos.”⁶. O exercício da paternidade responsável impõe uma assistência moral e afetiva e, assim, é um dever aos pais, não mera faculdade, de modo que o seu descumprimento pode caracterizar-se como um ato ilícito, e, como consequência haver a condenação do infrator ao pagamento de indenização.
O dever de indenização surge não pelo sofrimento causado pelo pai que não ofertou cuidados mínimos ao filho, mas tendo ocorrido a violação de direitos, ou seja, por não terem os pais agido de forma suficiente a garantir a criação, educação, alimentos, cuidados, amor aos filhos, surgiu um sofrimento tão intenso, profundo e complexo que provocou danos à pessoa. É em virtude desse sofrimento (privação de direitos) que deu causa à danos, que surge o dever de indenizar.
A melhor doutrina esclarece que, muito mais que obrigação dos pais, o pleno desenvolvimento e o convívio saudável entre o filho e o pai é direito do filho. Muito mais que obrigação dos pais, o pleno desenvolvimento e o convívio saudável entre o filho e o pai é direito indisponível do filho: Portanto, amor e afeto são direitos dos filhos que não podem ser punidos pelas desinteligências e ressentimentos dos seus pais, porquanto a falta deste contato influencia negativamente na formação e no desenvolvimento do infante, permitindo este vazio a criação de carências incuráveis, e de resultados devastadores na autoestima da descendência, que cresceu acreditando-se rejeitada e desamada. (TJMG – Apelação Cível 1.0145.07.411698-2/001, Relator(a): Des.(a) Carlos Levenhagen , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/01/2014, publicação da súmula em 23/01/2014)
O valor fixado a título indenização pelos prejuízos suportados pelos filhos não possui o objetivo de “pagar” a ausência de cuidado em todos os anos que estes não foram ofertados. É apenas um valor simbólico, pois não há dinheiro que pague o abandono afetivo; trata-se de uma forma de compensar a vítima por todo o prejuízo suportado e, ensinar o infrator que o não cumprimento dos seus deveres gera o direito de indenizar.
Notas de Rodapé
¹PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 250-263;
²Ibidem, p. 263;
³REsp 1106637/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/06/2010, DJe 01/07/2010
⁴REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012
⁵Ação de Indenização n. 141/1030012032-, 2ª Vara da Comarca de Capão da Canoa/RS, j. em 15-9-2003, in Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, v. 25, p. 149, ago./set. 2004.
⁶PEREIRA, Op. Cit., p. 253;
Referências:
Ação de Indenização n. 141/1030012032-, 2ª Vara da Comarca de Capão da Canoa/RS, j. em 15-9-2003, in Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, v. 25, p. 149, ago./set. 2004.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <Link>. Acesso em 19 Jul. 2020.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. REsp 1.106.637-SP, Recorrente: L A C P, Recorrido: A M C, Rel. Min. Nancy Andrighi. Diário da Justiça, 01/07/2010. Disponível em <Link>. Acesso em 20 jul. 2020.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. REsp 1.159.242-SP, Recorrente: Antonio Carlos Jamas dos Santos, Recorrido: Luciane Nunes de Oliveira Souza, Min. Nancy Andrighi. Diário da Justiça, 10/05/2012. Disponível em <Link>. Acesso em 20 jul. 2020.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 250-263;