Filiação socioafetiva

Filiação socioafetiva

O reconhecimento de uma filiação socioafetiva parte do entendimento e compreensão do princípio da afetividade dentro do direito de família.

O princípio da afetividade é um princípio constitucional implícito, ou seja, não está disposto de forma expressa na Constituição Federal de 1988, mas que decorre, principalmente, do macroprincípio da dignidade humana.

O princípio da afetividade trouxe modificações em vários âmbitos do direito de família, atingindo até mesmo regras e entendimentos aplicáveis ao relacionamento entre cônjuges e companheiros, mas também trazendo a teoria da parentalidade socioafetiva.

A teoria da parentalidade socioafetiva autoriza que terceiros, não fornecedores de material genético para crianças e adolescentes, em virtude do afeto e da convivência, possam ser reconhecidos como responsáveis legais (pais e mães) daqueles a quem dedicam tanto amor e carinho.

Por vezes, o vínculo entre as crianças e adolescentes com seus respectivos padrastos e madrastas é tão forte, e a convivência realmente é de que como se pais e filhos fossem, que, ainda que não possuam vínculos biológicos, não é possível se desconsiderar que tais formações não sejam família, ou mesmo que tal relação não possa ser identificada como parental.

Quando existe entre pessoas não vinculadas biologicamente a posse de estado, ou seja, quando um terceiro dá a outro o seu nome (ainda que informalmente), bem como o trato como se filho fosse (relação de afeto, cuidado, educação; características da relação interna) e, ainda, a fama (visualização externa da relação de filiação; se mostram perante a sociedade), é possível o reconhecimento formal desse afeto no assento de nascimento do interessado.

Existem formas de a parentalidade socioafetiva ser reconhecida, podendo estas serem utilizadas ainda em vida pelos envolvidos, como por exemplo, i) alguém atestar e reconhecer em testamento que outra pessoa seja seu filho biológico ou o tem por filho afetivo ou, ii) providenciar o reconhecimento da paternidade socioafetiva de enteado;  ou mesmo buscar o reconhecimento após a morte, como por exemplo, quando o suposto filho ajuiza ação judicial para ver reconhecida a paternidade socioafetiva daquele que foi seu pai, mas morreu e não houve o reconhecimento em vida.

O reconhecimento da paternidade sociafetiva, em vida, pode ser de forma judicial ou até mesmo de forma extrajudicial, através de um procedimento junto ao Cartório de Registro Civil.

O CNJ – Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2017, publicou o Provimento Nº 63 de 14/11/2017, o qual instituiu novos modelos para as certidões de nascimento, de casamento e de óbito, e também apresentou as regras e exigências para que houvesse o reconhecimento voluntário da paternidade e maternidade socioafetiva.

Referido provimento, no entanto, foi revogado por outro documento também do CNJ, mas manteve as regras e determinações que se tinha quanto as exigências para ver reconhecida a parentalidade socioafetiva.

Assim, o que se tem vigente hoje é o Provimento Nº 149 de 30/08/2023, que instituiu o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial, regulamentando os serviços notariais e de registro.

Os artigos 505 a 511 do Provimento nº 149/2023 trazem as regras para ver reconhecido em cartório, a parentalidade socioafetiva, sendo elas:

  1. Somente haverá o reconhecimento de pessoas acima de 12 anos;
  2. Quem solicita o reconhecimento da parentalidade, ou seja, o Requerente, aquele que quer que seja reconhecida a sua condição de mãe ou pai socioafetiva, precisa ter mais de 18 anos de idade e, precisa ter uma diferença de 16 anos com aquele que quer o reconhecimento;
  3. O Requerente não pode ser irmão nem ascendente, ou seja, irmãos não podem ser reconhecidos como pais socioafetivos de seus irmãos; avôs não podem ser reconhecidos como pais socioafetivos de seus netos;
  4. É preciso que a situação de socioafetividade seja estável e reconhecida pela sociedade;
  5. O pedido deverá ser feito de forma presencial, com a apresentação de documento pessoal do Requerente e do pretenso filho;
  6. Deverá haver a concordância dos pais que já constem no registro de nascimento do pretenso filho, se o filho tiver menos de 18 anos, além da concordância do próprio filho;
  7. O Requerente precisa apresentar provas da sua situação e condição de pai/mãe. Pode apresentar documentos, tais como: apontamento escolar como responsável ou representante do aluno; inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência; registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; vínculo de casamento ou união estável com o ascendente biológico; inscrição como dependente do requerente em entidades associativas; fotografias em celebrações relevantes; declaração de testemunhas com firma reconhecida.

Após a reunião de todos os documentos e sendo cumpridos os requisitos, o processo de reconhecimento será encaminhado ao MINISTÉRIO PÚBLICO que analisará o pedido e dará seu parecer.

Se o parecer do MINISTÉRIO PÚBLICO for favorável, a parentalidade socioafetiva será registrada; se for desfavorável, o processo será arquivado e o único meio de se conseguir o registro pretendido é por meio de processo judicial.

Se houver discordância dos pais, se houver alguma discussão ou contraditoriedade ao reconhecimento da parentalidade não poderão os interessados utilizar-se do procedimento extrajudicial do Cartório e deverão promover a competente ação judicial.

O reconhecimento da parentalidade socioafetiva traz a possibilidade de uma pessoa ter duas mães e/ou dois pais. No entanto, utilizar-se do procedimento extrajudicial, diretamente em cartório, só permite a inclusão de um ascendente socioafetivo, seja do lado paterno ou materno. Se outro ascendente socioafetivo também quiser ver reconhecida a sua parentalidade precisará ir para as vias judiciais.

O efeito do reconhecimento da parentalidade socioafetiva é irrevogável e somente será desconstituído por meio de processo judicial, desde que demonstrado vício de vontade, fraude ou simulação.

CASO PRÁTICO:

João tem 14 anos e tem em seu registro de nascimento a informação de dois genitores: Maria e José. No entanto, o atual marido de sua mãe, o padrasto Márcio também é visto como pai e gostaria de colocar seu nome no registro civil da criança.

Assim, Márcio (padrasto) acompanhado dos pais biológicos (Maria e José) e de João (filho) deverão ir até o cartório para fazer o procedimento necessário e, se ao final não houver nenhuma discordância, Márcio também constará como pai de João.

No entanto, Marcela, atual esposa de José, também é vista como mãe de João. Mas, se ela quiser o reconhecimento da sua condição de mãe no registro civil de nascimento do menino, precisará ajuizar ação judicial para isso.

Autora: Kethelin Bogowicz de O. Tormena – OAB/SC 45.796